Highest 2 Lowest não é o melhor ou o pior de Spike Lee - apenas uma chance de ver Denzel intenso 3j5x6u
Adaptação de um thriller popular e remake de clássico de Akira Kurosawa, o mais recente de Lee é uma boa desculpa para assistir Washington mostrar suas habilidades 6er2i
Um novo filme de Spike Lee ainda é um evento que faz a gente limpar a agenda; nos quase 30 anos desde que Ela Quer Tudo (1986) ajudou a impulsionar o boom do cinema independente americano e apresentou ao mundo um autor atrevido e desbocado do Brooklyn, ele nos entregou declarações que definiram épocas e projetos excêntricos à parte, cinebiografias épicas e filmes de performance intimistas, blockbusters e documentários, altos e baixos. Seu lugar no cânone está garantido. Claro, ainda é sempre uma roleta, e nunca se sabe qual Spike aparecerá — o ranzinza, o cinéfilo, o brincalhão, o provocador, o bagunceiro, o artesão meticuloso, o homem com tantas inquietações na mente — assim que as luzes se apagam. No melhor dos cenários, você encontra todos eles disputando espaço em cena. 6q6lc
Highest 2 Lowest dá espaço para a maioria desses Spikes subirem ao ringue, embora, em termos de qualidade dentro de sua filmografia, ironicamente fique bem no meio do caminho. Uma adaptação do romance King's Ransom, de Ed McBain (1959) — além de um remake/homenagem ao procedural policial Céu e Inferno, de Akira Kurosawa, de 1963 — o filme equilibra bem o drama moral clássico com uma colagem idiossincrática de temas que Lee carrega no coração. Quem espera outro Oldboy - Dias de Vingança, refilmagem curiosamente genérica do pesadelo edipiano de Park Chan-wook em 2013, vai se surpreender com o quanto esse aqui parece pessoal. Já quem esperava algo com a mesma precisão e intensidade do extraordinário filme de assalto O Plano Perfeito (2006) pode acabar se remexendo na cadeira. Ainda assim, o longa o reúne com um de seus melhores colaboradores, e mais uma vez reforça que poucos atores "fazem a coisa certa" tão bem quanto Denzel Washington.
Ah, sim, Denzel. Ele entrou agora em um momento interessante da carreira, mesclando seu rigor habitual com uma leveza tardia. A gente já toma sua presença imponente como certa, mas ele está acrescentando nuances imprevisíveis, voláteis e cativantes a essa autoridade. Ele ainda é a Estrela de Cinema com E maiúsculo de sempre, ainda o protagonista que a gente quer seguir. Só que agora há uma dose extra de brincadeira e despreocupação. Antes, uma performance elétrica e explosiva como a que lhe rendeu o Oscar em Dia de Treinamento (2001) era a exceção notável. Agora virou a regra. O King Kong nunca vai ser páreo para ele.
Lee sabe disso. E, ao começar seu quinto filme com Washington com uma tomada aérea de Nova York ao som do hino de Rodgers e Hammerstein, "Oh, What a Beautiful Mornin'" (não é tão impactante quanto a abertura com Copland em He Got Game, mas ainda traz grandeza), o diretor dá ao astro uma base sólida para brilhar. No livro e no filme de Kurosawa, o magnata no centro do conflito trabalha com calçados. Lee atualiza isso ambientando a história na indústria da música. O magnata David King, também conhecido como "King David" (interpretado por Washington), é parte Berry Gordy, parte Irv Gotti e um pouco de "aquele outro cara", tirando, bem... certas coisas. Ele tem o melhor ouvido do ramo, mas sua era de ouro à frente da Stackin' Hits Records já ou. Agora, quer fechar um negócio que lhe permitiria comprar de volta sua antiga gravadora e garantir seu legado. King só precisa do apoio da empresa e de mover algum dinheiro. Mais complicado do que parece.
Sua esposa, Pam (Ilfenesh Hadera), teme que tudo não e de um capricho caro. Seu filho, Trey (Aubrey Joseph), está irritado porque o pai não cumpre a promessa de estar mais presente. Seu melhor amigo e motorista, Paul (Jeffrey Wright), só quer que o patrão pense bem antes de agir. Mais tarde, o telefone toca. Trey foi sequestrado. Os criminosos exigem US$ 17,5 milhões de resgate. King está pronto para pagar, porque nada é mais importante para ele do que a família. Até que descobrem que os sequestradores pegaram o garoto errado. Na verdade, eles levaram Kyle (Elijah Wright), o melhor amigo de Trey... e filho de Paul. A pergunta agora é: King ainda vai pagar o resgate?
É nesse momento que Highest 2 Lowest começa a encarar questões mais espinhosas por trás de sua fachada de thriller pulp, e embora tanto Washington quanto Wright mergulhem no dilema como veteranos (especialmente Wright, que dosa a raiva de seu personagem com maestria), também é aí que o filme começa a perder o fôlego. Até esse ponto, há várias "spikeices" para animar a trama: tiques estilísticos, muitos dedos do meio levantados, e provocações ao time de Larry Bird; este é o tipo de filme em que alguém quebrar a quarta parede para gritar "Boston é uma droga!" parece completamente natural. Mas ele também entra num ritmo que arrisca parecer arrastado e genérico. Poderia ser qualquer procedural policial feito por qualquer diretor sindicalizado, estrelado por uma lenda do cinema.
Ainda assim, quando Spike quer elevar o nível, ele entrega. Há duas cenas em Highest 2 Lowest em que Lee parece se divertir enquanto imprime sua marca na homenagem a um clássico do cinema policial. Uma envolve a entrega do resgate: entra a linha do metrô do Bronx, uma mochila, vários entregadores em motos e uma apresentação ao ar livre do ícone da salsa Eddie Palmieri. Lee intercala toda a ação com a faixa "Puerto Rico", de 1972, e dá para sentir a eletricidade subindo. É uma leitura de primeira linha de um clichê do gênero — a troca interminável de pacotes — e o fato de parecer também uma declaração política só a torna ainda mais empolgante. Uma celebração pública de orgulho étnico, no coração da cidade que já teve um presidente disposto a apagar imigrantes e pessoas não brancas dos EUA, não deveria soar tão radical. Mas esses são os tempos doentios em que vivemos.
A segunda cena acontece quando King encontra finalmente o sequestrador cara a cara. Graças a uma playlist de artistas independentes que seu filho lhe ou, o magnata identifica o culpado: um rapper aspirante chamado Yung Felon, interpretado por A$AP Rocky. King o encontra no estúdio onde está gravando, e os dois confrontam-se sobre inveja, segundas chances, e a raiva de Felon por só ser notado quando alguém corre perigo. Então, começam a trocar versos de freestyle. Nenhuma das rimas pode ser reproduzida aqui na íntegra, mas acredite: Denzel manda muito bem. É o tipo de duelo de atitude em que ele brilha, e Rocky prova que consegue segurar a onda diante de um cara que já foi Malcolm X, Macbeth e o poderoso Macrinus de Gladiador 2. Termina antes do que a gente gostaria — para que Denzel possa encarnar seu lado O Protetor —, mas essa cena merece estar em qualquer retrospectiva futura de todos os envolvidos.
Depois disso, só resta a cura emocional e um último debate na cadeia, e Highest 2 Lowest cuida direitinho de amarrar as pontas soltas. A impressão que fica é de ter assistido a um ótimo filme sobre Nova York, com uma grande atuação no centro, mas ainda assim parece que algo está faltando. No fim das contas, é uma desculpa para ver Denzel soltando o verbo. O que chama mais atenção é o epílogo que Lee adiciona justo quando achamos que os créditos vão subir. Ao longo da história, vemos o leão da indústria tentando recuperar seu rugido, enquanto olha para um mercado musical obcecado pelo lucro e se pergunta: quem roubou a alma? Então, ele ouve uma nova cantora-compositora, e de repente, sua motivação se renova. Não é difícil fazer o paralelo com a indústria do cinema, e como ela pode ter se perdido. Lee não precisa perguntar quem roubou a alma ali. Ele só quer recuperar a própria, e fazer algo que o público e o seu cinéfilo interior possam curtir. Só por isso, já merece aplausos.
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