'Chronoworking': trabalho guiado por relógio biológico do funcionário promete aumento de produtividade 486l29
Modelo atrai por maior autonomia, divide empresários entre flexibilidade e controle, e acende alerta quanto a proteção trabalhista 6i3p4i
O "chronoworking", modelo de trabalho guiado pelo ritmo biológico dos funcionários, promove flexibilidade e maior produtividade, mas enfrenta desafios em relação à cultura corporativa, regulamentação trabalhista e implementação em setores tradicionais.
Antes de chegar à empresa em que trabalha atualmente, a rotina de Juliana Graça era "cansativa e repetitiva". Acordava e saía para trabalhar todo dia no mesmo horário, batia ponto. "Se atrasasse 10 minutos, já era motivo para olharem feio", diz. 6a285q
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Segundo ela, os resultados obtidos durante a semana ficavam em segundo plano e regras que faziam pouco sentido no dia a dia eram mais valorizadas pelas lideranças.
Agora como delivery manager em uma empresa brasileira que oferece consultoria em tecnologia para gestão de clientes, ela conta ter uma rotina "dinâmica e vivaz", escolhe se trabalha no escritório montado em casa ou em qualquer outro lugar, e tem a vantagem de definir a hora em que começa seu dia.
"Tem dias que acordo às 5h da manhã, mas posso acordar às 9h, depende do meu planejamento pessoal e da agenda do cliente."
A empresa aderiu ao chronoworking (cronotrabalho, em português), modelo ainda pouco difundido, inclusive no Brasil, em que o trabalho é realizado de acordo com o ritmo biológico do funcionário. Isso permite uma atuação conforme o colaborador se sente mais produtivo e confortável.
"No começo, fiquei na dúvida de qual seria a melhor rotina, mas depois de alguns anos, consegui chegar na versão que para mim, Juliana, se adapta melhor ao meu momento de vida. Antes, dormia às 1h, enquanto agora às 23h, e com mais realizações", explica Juliana, destacando que tem maior produtividade e uma vida mais equilibrada.
Termo criado pela jornalista britânica Ellen C. Scott, o modelo ainda não pegou, mesmo no mundo pós experiências de isolamento social provocado pela pandemia de covid-19 --quando mudanças nas relações de trabalho se intensificaram. E no Brasil, ainda não há legislação específica que regule o sistema.
No entanto, o chronoworking é visto por especialistas como parte de um movimento mundial maior de dar preferência à flexibilidade e aos resultados, e não às regras e ao microgerenciamento.
Chief People Officer da Everymind, Eduardo Nunes afirma que a cultura promovida pela empresa já considerava a satisfação interna como prioridade e "o melhor caminho para garantir produtividade" e a retenção de colaboradores. Por isso, flexibilizar onde era possível foi um movimento natural e a adaptação, positiva.
"O critério mais importante é alinhar as demandas com a liderança e equipe, para garantir que o cliente esteja sempre respaldado, de acordo com o que foi contratado e planejado", explica Nunes.
Ele também observou que a adoção de modelos flexíveis é "uma oportunidade de acelerar programas de inclusão, considerando diferentes realidades e necessidades, e contribuir para a saúde mental". O próprio executivo viu melhorias em sua rotina profissional e pessoal. Ele reserva momentos tranquilos para planejar o dia e se atualizar das principais notícias, concentra as reuniões entre a manhã e o meio da tarde e, à noite, pratica atividades físicas.
"O modelo traz uma liberdade, uma autonomia, resultando nessa personalização de cada um trabalhar no horário que faz mais sentido para sua rotina e até para sua disposição de vida", diz Renata Rivetti, especialista em felicidade e diretora da Reconnect Happiness at Work, companhia cujo foco é criar culturas organizacionais em que se valorize mais a felicidade dos profissionais.
Para Renata, a adoção de modelos de trabalho mais flexíveis exige equilíbrio entre autonomia e alinhamento coletivo, além de fortalecimento do foco nas entregas e não nas horas trabalhadas, como descreveu Nunes.
Porém, ela alerta que nem todas os setores ou empresas conseguiriam adotar o chronoworking de forma plena e imediata. "A gente vê áreas em que isso funciona melhor, como tecnologia ou desenvolvedores que trabalham de madrugada e que não dependem de ninguém. Ao contrário, precisam estar sozinhos com hiperfoco. Aí, isso pode funcionar melhor".
Sem uma cultura baseada em confiança e não em controle, flexibilizações podem gerar sobrecarga. Além disso, ela lembra que a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ainda poderia ser uma barreira para expandir o chronoworking para mais setores.
"Em empresas que ainda têm uma cultura de comando e controle, de medo, de microgerenciamento, se torna praticamente impossível implantar tanta flexibilidade. O que a gente precisa mesmo é começar a organizar e preparar as pessoas para realmente construir um novo modelo de trabalho. Será que de fato não está na hora de a gente começar a entender o que eu espero desse colaborador, o que ele tem que entregar ao longo da semana e exigir mais esse aspecto? Se a gente olhar em relação à cultura, eu acho que poucas empresas estão preparadas para isso", pontua Renata.
Especialista em novas metodologias de trabalho e gestão, Maíra Blasi também acredita faltar uma organização e discussões para considerar o chornoworking uma tendência. Por isso, ela o classifica como um "micro-movimento". "É uma coisa isolada, na minha visão. Em várias companhias no Brasil e na América Latina, essa palavra sequer foi pronunciada. Não existe uma discussão sobre isso, um estudo", diz.
Para Maíra, as empresas ainda estão muito "acostumadas com comando e controle" e com jornadas tradicionais decididas há muitos anos. "Elas não se abrem à possibilidade de um mundo que mudou muito e poderia ser diferente. Não é para toda empresa, com certeza. Mas não pode usar isso de desculpa para nem tentar."
Ela defende que empresas onde essa realidade possa ser modificada flexibilizem algumas regras de trabalho, desde que haja "testes, ferramentas, acordos explícitos, talvez até alguma mudança na lei trabalhista para que isso seja possível". Ela compara o chronoworking com as flexibilizações trazidas pela pejotização ou pelo avanço do trabalho por aplicativo, em que, em muitos casos, há exploração "em algum nível, sem nenhum tipo de garantia" da CLT.
"Acho que a maior dificuldade é justamente as pessoas entenderem que flexibilidade não é eliminar as regras, é criar novas regras e dialogar sobre elas (...) Para o chronoworking funcionar, precisa existir essa crença que pessoas diferentes têm ritmos diferentes e necessidades diferentes", conclui Maíra.