'Será que essa é a vida que eu vou ter?': empresária ou fome e hoje faz sucesso com negócio de decoração de festas 4z244f
Filha de empregada doméstica e ajudante de borracharia, Renata cresceu nas rendondezas do Heliópolis (SP) sem perspectiva de futuro 65z5n
Renata Rebouças superou desafios na periferia de São Paulo, transformou a necessidade em empreendedorismo e hoje ensina jovens de comunidades a desenvolverem negócios e acreditarem em um futuro melhor.
Era ainda escuro quando Renata deixava a cama. Com apenas 15 anos, atravessava a manhã no transporte público até a fábrica onde trabalhava como auxiliar de produção. Cumpria jornada até as 17h, para depois correr para a escola onde estudava à noite. Chegava em casa exausta, o corpo pedindo descanso, a cabeça carregada. Mas o que a esperava era outro turno: os gritos dos pais, os conflitos alimentados pela escassez. 491u3h
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"Meus pais sempre tiveram muita dificuldade financeira", ela lembra. "Brigavam muito por causa disso. Meu pai bebia, minha mãe fumava muito, ficava nervosa. E minha irmã virou usuária de drogas. Era um ambiente muito difícil."
Renata Rebouças, de 42 anos, cresceu nas redondezas do Heliópolis, a maior comunidade de São Paulo. Filha de uma empregada doméstica e de um ajudante de borracharia, cedo entendeu que se quisesse algo, teria que conquistar por conta própria. "Não tinha dinheiro nem para comprar uma boneca. Então logo eu já queria trabalhar, eu queria poder ter o dinheiro para comprar alguma coisa que eu gostasse", contou ao Terra. Como irmã mais velha, sentia o peso da responsabilidade: "Eu ajudava minha mãe em casa com o dinheiro. Não ficava com nada."
Apesar da rotina puxada e das privações, a menina, que adorava papelarias e lia compulsivamente na biblioteca pública, cultivava um sonho: abrir seu próprio negócio. "Eu sempre pensava isso: 'Nossa, eu quero ter a minha lojinha'." Mas a realidade era dura. Mesmo depois de terminar o ensino médio e conseguir bolsa numa faculdade, não pôde aceitar. "Minha mãe dizia que não ia ter dinheiro para pagar a condução. Aí fui fazer curso técnico pelo SENAI, que dava para ir andando."
"Eu ficava pensando: Como vai ser minha vida? Será que vou estar sempre nessa situação?"
Aos 20 anos, grávida do primeiro filho e desempregada após o fechamento da fábrica onde trabalhava, Renata viu a vida desmoronar. "Eu pensava: O que eu fiz da vida?" Foi neste momento que o empreendedorismo deixou de ser ideia e virou necessidade. No quarto apertado onde vivia com o namorado e o bebê, começou a produzir e vender artesanato: origamis, cartões e peças de jornal. "Quando eu vi, tinha virado empreendedora de verdade. Me senti realizada. E ainda podia cuidar do meu filho."
O caminho seguiu entre altos e baixos. Se separou, voltou a trabalhar com carteira assinada, concluiu a faculdade de Gestão Comercial, teve o segundo filho. Porém, foi o reencontro com o empreendedorismo que reacendeu seus planos.
No entanto, as dificuldades não acabaram. Com o negócio de festas infantis estagnado e as contas se acumulando, Renata buscava uma luz. "Meu filho estava com oito anos. Eu não tinha dinheiro nem para comprar alimento. Meus amigos tiveram que doar cesta básica."
Nesta fase, ela conheceu a Liga Digital, organização que há cinco anos capacita gratuitamente jovens e microempreendedores de comunidades como a dela. Em um curso no CEU Heliópolis, a transformação começou. "Eu não sabia que podia ar o que eu sabia para outras pessoas. Nem como mostrar melhor meu trabalho no digital."
A Liga já formou mais de 8 mil pessoas das periferias de São Paulo, oferecendo cursos de e-commerce, marketing digital e programação. Em 2025, cerca de 250 jovens da ONG participaram gratuitamente da VTEX Day, maior evento de inovação digital da América Latina. Ao menos dez conseguiram emprego direto após a última edição.
No caso de Renata, o impacto foi mais profundo. Com os conhecimentos adquiridos, ela expandiu seu negócio de decoração de festas e, mais do que isso, virou professora. "Hoje, eu dou aula à tarde e à noite no CEU Heliópolis, em cursos profissionalizantes. Os alunos dizem que consegui mudar a visão deles sobre o negócio."
Ensinar virou missão. "Eu me sinto muito grata. Muito feliz por ajudar alguém que um dia fui eu. Eu até me emociono... Como eu queria que alguém tivesse me mostrado essas coisas antes!", afirmou.
Agora, Renata sonha com o próximo o: tirar o negócio de dentro de casa e abrir sua loja física. "Hoje, eu vejo que estou num processo. Está caminhando para melhor. E eu alcancei meu sonho de criança."
Enquanto o dia ainda amanhece no Heliópolis, Renata já está de pé, desta vez, não apenas em busca de sobrevivência, mas de futuro.