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A 'festa tupinambá' em 1550 na França que convenceu rei a embarcar em conquista do Brasil 5j693d

Evento que retratava o Brasil foi fundamental para a França se lançar na conquista colonial que culminou com invasões na costa brasileira e contribuiu para reforçar o mito do 'bom selvagem' 5l591s

3 jun 2025 - 07h17
(atualizado em 4/6/2025 às 05h32)
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Evento que retratava o Brasil foi fundamental para a França se lançar na conquista colonial
Evento que retratava o Brasil foi fundamental para a França se lançar na conquista colonial
Foto: Biblioteca Municipal de Rouen (MS Y 28 f° 62) / BBC News Brasil

Duas aldeias indígenas com muitas araras, papagaios e macacos nas árvores, em plena Normandia, na França, seria, mesmo nos dias de hoje, uma cena insólita. 2r6i3s

Imagine no século 16, quando uma "festa tupinambá" foi realizada para celebrar, em 1550, a entrada triunfal do rei francês Henrique 2º na cidade de Rouen.

O evento que retratava o Brasil foi fundamental para a França se lançar na conquista colonial nessa nova região do mundo e contribuiu para reforçar o mito do "bom selvagem", a idealização do homem "puro" que vive em harmonia com a natureza.

As entradas reais, festividades para saudar o monarca, eram motivo de competição entre as cidades. Henrique 2º, na época com 31 anos, havia assumido o trono três anos antes e foi a Rouen acompanhado de sua esposa, Catarina de Médici, embaixadores e aristocratas importantes.

Da ponte onde se encontrava, no rio Sena, o cortejo avistou um espetáculo jamais visto no reino: uma reconstituição do chamado Novo Mundo, a partir de relatos de marinheiros ses e de indígenas que foram levados à França no início do século 16.

Em uma pequena ilha no Sena, em meio a uma vegetação exuberante, foram criados dois vilarejos separados por paliçadas. Havia cabanas com troncos grosseiramente aparados, cobertas por galhos. Ali homens nus com os rostos enfeitados e corpos pintados reproduziam cenas do cotidiano: alguns simulavam caçar com arco e flecha, outros dormiam em redes ou comiam em volta de fogo. Pássaros voavam e animais pulavam nas árvores.

Poucos indígenas brasileiros, principalmente da etnia tupinambá, fizeram parte do elenco: apenas cerca de 50. Os figurantes, por volta de 250 no total, eram majoritariamente marinheiros ses, disse à BBC News Brasil o historiador Didier Le Fur, especialista dos séculos 15 e 16 na França, autor de inúmeros livros, entre eles Henri 2º e Le Royaume de en 1500 (O reino da França em 1500).

Segundo ele, naquela época, os indígenas não teriam sido forçados a viajar à França. Muitos deles atuavam como intérpretes e teriam aceitado o deslocamento pela curiosidade de descobrir outras terras.

No espetáculo, um dos vilarejos criados para as festividades, não por acaso com cores vermelhas, uma alusão ao pau-Brasil, tinha boas relações com os ses. Na encenação, os habitantes levavam a madeira até um local no rio onde os ses desembarcavam e faziam trocas por machados, iscas e diversos órios. Já o outro vilarejo era pró-Espanha, diz Le Fur.

É o povo ligado à Espanha que inicia uma batalha, com armas em punho, contra o "vilarejo amigo" dos ses. Cabanas foram queimadas para dar mais realismo ao evento.

Não é difícil imaginar quem venceu: a aldeia que fazia comércio com a França e tinha relações pacíficas com os ses.

A festa foi patrocinada por mercadores e armadores da Normandia, que aproveitaram a visita do rei para convencer Henrique 2º, com essa encenação estudada, da necessidade de implantar uma colônia na costa brasileira para aproveitar melhor as riquezas locais, ressalta Le Fur. "A mensagem era de que os ses eram bem quistos no Brasil e que as relações comerciais com alguns povos do Brasil eram sólidas", diz ele.

O objetivo também era mostrar ao rei, com a derrota da aldeia rival, no caso pró-Espanha, que embora outros povos estivessem ligados aos portugueses, haveria pouco perigo em instalar uma colônia sa nessa região do mundo.

"A ideia funcionou", destaca Le Fur. E rápido: meses depois da encenação financiada por mercadores da Normandia, Henrique 2º enviou o explorador e cartógrafo Guillaume Le Testu para fazer uma prospecção na costa brasileira para avaliar a possibilidade de criar uma colônia no Brasil.

As entradas reais, festividades para saudar o monarca, eram motivo de competição entre as cidades
As entradas reais, festividades para saudar o monarca, eram motivo de competição entre as cidades
Foto: Biblioteca Municipal de Rouen (MS Y 28) / BBC News Brasil

França Antártica 135i4z

Foi a partir disso que foi decidido o projeto da França Antártica, comandado pelo almirante Nicolas Durand de Villegagnon.

A expedição implantou, em 1555, uma colônia na Baía da Guanabara que durou pouco tempo, apenas até 1560, quando o forte Coligny, na ilha de Serigipe (hoje ilha de Villegagnon), erguido pelos ses, foi destruído pelos portugueses.

A coroa portuguesa não foi o único problema da expedição da França Antártica.

Havia também muitos conflitos internos. Foi uma colônia com tensões religiosas entre católicos e protestantes (que poucos anos mais tarde, a partir de 1562, resultou em uma guerra de religião na França).

A França Antártica enfrentou revoltas e deserções dos colonos contra as severas regras impostas por Villegagnon. Ao impedir os homens de ter contato com as mulheres indígenas, uma parte deles abandonou o forte na ilha e foi para o continente. Alguns relatos da época afirmaram que o almirante contribuiu para a queda do "Brasil francês."

Ao mesmo tempo, a monarquia sa atravessava um período de fragilidade política e crise religiosa, marcada por sucessões precoces e o início de guerras civis entre católicos e protestantes.

Henrique 2º, que autorizou a expedição colonial no Brasil, morreu em 1559 e seu filho, Francisco 2º, que assumiu o trono com apenas 15 anos, faleceu em 1560. Em seguida assumiu seu irmão Carlos 9º, outro menor de idade, com a mãe Catarina de Médici como regente. Os conflitos internos da coroa sa deixaram as questões coloniais para segundo plano.

Após a destruição do forte Coligny na Baía da Guanabara, em 1560, parte dos colonos ses conseguiu se refugiar em terra firme no Rio de Janeiro, com o apoio dos tamoios, até serem definitivamente expulsos pelos portugueses em 1567.

Quase duas décadas antes da entrada de Henrique 2º em Rouen, a França havia tentado, em 1533, acabar com o Tratado de Tordesilhas. O papa da época estava mais ou menos de acordo, diz Le Fur, mas após seu falecimento ele foi sucedido por um pontífice pró-espanhol.

Na época do Tratado de Tordesilhas, em 1494 — firmado pelos reinos de Portugal e da Espanha e que definiu os limites de exploração entre ambos na América do Sul — a França estava focada em colonizar a Itália, lembra Le Fur, operação que fracassou e deixou a França sem recursos.

No início do século 16, a França estava longe de ser uma potência marítima e alguns comerciantes ses, interessados no pau-brasil, acharam mais fácil piratear navios portugueses para roubar os mapas com as rotas para o Brasil, afirma o historiador. A publicação do Atlas Miller na França em 1519 com cartas marítimas facilitou depois a navegação.

Antes da França Antártica no Rio de Janeiro, os mercadores da Normandia já trafegavam bastante pela costa brasileira. Entre 1526 e 1549, os ses realizaram cerca de 50 viagens ao Brasil, uma média de duas por ano, segundo Le Fur.

A França não tinha a intenção de colonizar o Brasil, mas a ideia foi ganhando fôlego ao longo das várias expedições e contatos com algumas populações locais.

Festa para entrada de Henrique 2º em Rouen foi patrocinada por mercadores e armadores da Normandia
Festa para entrada de Henrique 2º em Rouen foi patrocinada por mercadores e armadores da Normandia
Foto: Biblioteca Municipal de Rouen (MS Y 28) / BBC News Brasil

França Equinocial 6f6m2c

Após o fracasso na colonização na Baía da Guanabara, os ses não se deram por vencidos.

Uma outra grande expedição, a França Equinocial, foi lançada em 1612, liderada por Daniel de la Touche. Desta vez, o alvo foi o Nordeste brasileiro. O nome faz referência à decisão de se instalar próximo à linha do Equador.

Os ses fundaram São Luís, no Maranhão, nome dado em homenagem ao rei francês Luís 13.

Para evitar os problemas da França Antártica, o objetivo era estabelecer uma colônia católica. Eles fizeram alianças com os povos locais, como os tremembés e tupinambás, fundaram um forte e começaram a construir a cidade.

A França Equinocial era um projeto ambicioso, que visava ocupar boa parte do Nordeste do Brasil e também Norte do Brasil, incluindo parte do Pará e do Amapá.

A expansão fracassou devido à resposta militar portuguesa que conseguiu, após várias batalhas, expulsar definitivamente os ses do Maranhão em 1615.

Devido a instabilidades políticas na França, os colonos de São Luís não conseguiram obter tropas e recursos adicionais para enfrentar os portugueses.

Não deu certo no Brasil, mas os ses não abandonaram a ideia de fixar uma colônia na América do Sul. Obtiveram sucesso no território que é hoje a Guiana sa, com a fundação de Caiena em 1643.

Nos anos seguintes, houve confrontos com ingleses, portugueses e holandeses pela disputa da Guiana sa, até hoje um território ultramarino da França.

Segundo historiador Didier Le Fur, encenação teve como objetivo mostrar que ses seriam bem recebidos no Brasil
Segundo historiador Didier Le Fur, encenação teve como objetivo mostrar que ses seriam bem recebidos no Brasil
Foto: Hannah Assouline / BBC News Brasil

Especialistas afirmam que a festa indígena na Normandia, que mostrou povos amigos dos ses (encenados principalmente por marinheiros ses), contribuiu para o mito do "bom selvagem", embora essa ideia só fosse ganhar força no século 18, com pensadores como Jean-Jacques Rousseau.

Nos Ensaios de Michel de Montaigne, do século 16, o filósofo francês afirmou que a alma dos indígenas não é corrompida e que os europeus só se interessam pela riqueza e pelo poder.

A entrada de Henrique 2º em Rouen foi descrita na época em um manuscrito ilustrado, uma das obras importantes da biblioteca de Rouen.

Uma outra versão curta com gravuras foi distribuída à população, que pôde pela primeira vez ter uma ideia do que era essa região do mundo, apesar do espetáculo romanceado.

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