Cia de teatro aborda questões sociais em diálogo com jovens 4d5239
Pau-Brasil aborda questões sociais e leva mudanças para jovens, indígenas e homossexuais 1g6n5w
Nos centros brasileiros, as possibilidades de os jovens participarem de alguma companhia de teatro são grandes, pois, obviamente, as maiores cidades do país oferecem mais possibilidades de o aos espaços culturais. Mas isso muda quando essas oportunidades se refere as cidades pequenas, principalmente em locais, os quais não têm atenção dos órgãos públicos. 574m4q
Esses municípios sofrem com a falta de espaços teatrais em seus territórios. Entretanto, no sul da Bahia, moradores de uma pequena cidade vem mudando esse cenário.
Além de ser importante historicamente para o Brasil, a cidade de Pau-Brasil mostra que a população resiste aos problemas sociais locais, através da cultura. De acordo com o Instituto de Geografia e Estatística, Pau-Brasil tem um pouco mais 10 mil habitantes, dividida entre comunidades negra, urbana, rural, e, sobretudo, indígena.
No município, jovens participam da Companhia de Teatro Negro Mário Gusmão de Pau-Brasil, que tem a intenção de trazer reflexões acerca das questões raciais e sociais da sociedade.
“Com a minha entrada no ano de 2020 na Cia de teatro, eu pude apresentar ideias e abrir os olhos diante da sociedade sobre racismo, machismo, feminicídio, tudo isso por meio da arte. Além disso, tive oportunidade de viajar para terreiros e entender mais sobre o candomblé e sua cultura”, fala o jovem ator da companhia de Teatro Negro Mário Gusmão de Pau-Brasil, Luan Silva do Vale, de 20 anos.
Ele revela que a experiência de participar de uma peça teatral é única e não dá para explicar. “São experiências únicas que não dá pra definir, só sentir. A vivência é uma explosão de cultura em um espaço tão pequeno como Pau- Brasil. São aprendizados culturais indígenas, das zonas rurais e de uma parte específica da cidade; cada um com suas particularidades”, conta alegremente.
O jovem expressa que o teatro influencia na própria vida de forma positiva. “O Teatro influência na minha vida como um todo: na forma de pensar, de andar, de agir, ou seja, na forma de ver o mundo, sempre olhando de forma artística para tudo”.
Além do ator, a jovem Milena Silva de Jesus, de 22 anos, também faz parte da companhia como atriz. Ela explana que o grupo de Teatro Negro Mario Gusmão surge como um agente interventor que busca tirar os jovens dos caminhos ‘errados’ e proporciona uma nova direção a ser seguida. “O teatro é fundamental para a sociedade, porque ele salva vidas”, afirma.
Para a jovem, após adentrar na companhia a vida mudou, pois antes era uma pessoa que não dava muita importância as questões sociais e raciais da sociedade, no entanto depois do teatro tudo mudou.
“Amadureci bastante após entrar no grupo, em razão de lidamos com diversos tipos de pessoas, conhecemos várias comunidades e histórias que nos tocam fazendo questionarmos sobre várias temáticas socias. O teatro me fez olhar com mais empatia, a respeitar a religião do outro mesmo que seja diferente da minha ou do que eu acredito”, conta.
Ela, que diz ser é uma mulher em constante mudança, entrou para a companhia em 2021 a convite de Josivaldo Câmara (diretor da Cia). “A juventude agradece por ter pessoas como Josivaldo, que mesmo com tantos atritos, continua criando projetos para incluir o jovem”, fala agradecida.
Companhia de Teatro Negro Mário Gusmão de Pau-Brasil
“Queremos levar a partir da arte cênica, no teatro, uma reflexão sobre os jovens negros que são assassinados diariamente nas periferias brasileiras, sobretudo, nos grandes centros. Além disso, levar o jovem a entender que a educação ainda é o melhor caminho para galgar um sonho, para mudar o seu contexto social”, profere com entusiasmo, Josivaldo Felix Câmara, 47 anos, Diretor e Idealizador da Companhia de Teatro Negro de Pau-Brasil.
Ele, que é professor de Arte, da educação formal, na escola Centro Educacional Maria Santa, do município de Pau-Brasil, revela que criou a companhia em 2008 quando percebeu que na escola, na qual trabalha os alunos não compreendiam assuntos sobre questões raciais.
“Quando começamos a trabalhar as questões raciais, os estudantes começaram a ficar incomodados pelo desconhecimento do tema. Muitos só ouviam falar das questões raciais, indígenas e quilombola em datas específicas ou quando o livro didático trazia um capítulo ou um subtema para que o professor dialogue com os estudantes”, pontua.
A partir dessas dificuldades, ele começou a pensar em estratégias, metodologias e didáticas para que esses alunos começassem a compreender melhor os conteúdos que dialogassem com as questões raciais.
“Eu trabalhei alguns textos com os meninos em sala de aula, e pedir que eles levassem para casa e estudassem para depois apresentassem na escola. O texto era dividido para os grupos e cada um deles explicavam os parágrafos. Tudo isso foi uma estratégia da realidade que encontrei enquanto professor para aplicar nas aulas. A partir disso, formamos a Companhia de Teatro Negro Mário Gusmão de Pau-Brasil”, esclarece.
Com isso, a companhia começa a desenvolver a cultura local a partir das apresentações teatrais. O professor destaca que isso é uma forma de colaborar com todos os municípios das comunidades: indígena, rural, ribeirinha, trabalhadores rurais e os sem terra.
“Eu acho que a cultura ela chega mais rápido aos olhos e os ouvidos das pessoas a partir desse diálogo através do texto escrito, uma vez que na realidade o texto escrito ele vai fazer um cruzamento, ou melhor, uma encruzilhada com os nossos corpos, que é transformado em falas, gestos e ação em cena. Esses textos vão formar o corpo, ganhando vida a partir do teatro”.
De acordo com Josivaldo Câmara, a Companhia de Teatro Negro Mário Gusmão (ganha esse nome para homenagear um dos primeiros atores negros da Bahia) de Pau- Brasil é um grupo formado por jovens, indígenas, homossexuais e adolescentes da periferia da zona da rural da cidade.
“O nosso teatro é uma companhia que dialoga muito também com a proposta de Augusto Boal e Abdias do Nascimento, os quais ensinam a gente abraçar e acolher os oprimidos. Em outras palavras, damos voz e o protagonismo aos artistas negros dentro de uma sociedade brasileira e focamos em receber jovens, indígenas e LGBTQi+”, fala com agrado.
E uma das alegrias do professor durante esse percurso de 2008 até 2022, é ver a transformação dos jovens.
“A gente ver a mudança dos jovens atores e atrizes para melhor. Ver um menino que entrou na companhia que usava droga e não socializava e depois do grupo ele conseguiu se transformar positivamente. Além disso, o reconhecimento da comunidade de entender que a companhia é importante nesse diálogo intercultural. Tudo isso é incrível”, salienta, contudo, completa: “não foi fácil o início da nossa trajetória”.
Por falar em problemas, um dos maiores desafios do projeto é a questão financeira, uma vez que o grupo não recebe quase nenhum apoio financeiro.
“Manter um grupo que não tem um centavo para poder transitar e construir o que uma companhia de teatro realmente necessita, é complicado. Precisamos de figurino, de um caixa para pagar os atores e atrizes. Além de tudo, precisamos de um transporte próprio para transitar e colaborar com um diálogo entre os municípios e com a região sul baiana. Tudo isso é muito complicado, porém a gente consegue dar conta pela força de vontade desses adolescentes, das crianças, e nós enquanto mentor, diretor e orientador”.
Mesmo com todos os contratempos, a companhia ganha espaços e começa fazer parte do projeto chamado interlocuções, da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
“A gente vai para comunidade indígena apresentar esse teatro que é levar o que a gente tem discutido em sala de aula nessas comunidades. Nós levamos em vários lugares as discussões raciais e de gênero para fazer que os espectadores vejam esses corpos negros e indígenas em palcos apresentando uma reflexão para todos”.
O professor diz que o grande marco para a história da companhia aconteceu em 2016 quando fizeram um intercâmbio na capital baiana a convite do professor e escritor Nelson Maca.
“Ficamos por cinco dias com o bando de teatro Olodum e fizemos uma vivência importantíssima no Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá com a saudosa Mãe Stella. Além de fazermos grandes apresentações no pelourinho”, pontua.
Para fazer parte da companhia, ressalta Josivaldo Câmara, o jovem deve ter disponibilidade, força de vontade e compromisso. A partir dos 12 anos de idade pode- se ingressar no grupo. Atualmente, a companhia tem cerca de 22 jovens e já se aram no projeto aproximadamente 620 pessoas.
O diretor faz questão de ressaltar que a companhia não tem espaço fixo, pois os ensaios acontecem em praça pública, no eio da escola, no meio da rua e no quintal de algumas casas. “Quando temos uma peça nova, que vai entrar em cartaz, geralmente a gente ensaia todos os dias de segunda a sexta, às vezes no sábado, contudo quando a peça toma corpo a gente geralmente ensaia duas ou três vezes por semana”.
O grupo também oferece oficinas gratuitas que acontecem geralmente nas escolas públicas. “Geralmente, os diretores das escolas públicas nos cedem os espaços da escola para a gente aplicar as oficinas e ler os textos”.
As oficinas são: dramaturgia, cenografia, marcação de cena, leitura de texto dramáticos, interpretação de textos, racismo, feminicídio, homofobia, intolerância religiosos, entre outras temáticas.
Para a orientadora da companhia, a professora Luzia de Jesus Costa Santos, de 62 anos, a companhia tem um papel importante na cidade de Pau-Brasil, - acolher os jovens marginalizados.
“Em nossa companhia existem jovens de várias personalidades, de vários comportamentos e muito deles são pessoas marginalizadas. Todavia, a gente sempre está levando uma palavra amiga para poder acolher esse jovem. O nosso objetivo é tirá-lo do mundo das drogas e da marginalidade. Eu trabalho com esse jovem conscientizando-o, educando-o e mostrando o caminho que ele deve seguir: ser cidadão de bem”, destaca.
Já a coordenadora pedagógica do grupo, Maria Rita Santos, salienta que a companhia de teatro ou qualquer outra organização negra nas periferias está fazendo justamente aquilo que o Estado brasileiro deveria fazer e não faz: criar resistência.
“Organizar resistências por meio da cultura, já que quando você ler e estuda um texto e coloca ele em linguagem de teatro, você cria um movimento de resistência. E essa resistência ela se dá em virtude desse coletivo. No teatro, os jovens se organizam para pensar e discutir texto e teatralizá-los. A resistência negra se dá no ambiente universitário, no ambiente da educação básica, então são táticas de resistências negras que a gente tem”, afirma.
Teatro aos Quintais
O diretor da companhia Josivaldo Câmara explica que a ideia de levar o teatro aos quintais das comunidades periféricas, nasceu quando um dos atores disse que a família deles não conseguiam assistir as apresentações, já que uma grande maioria mora na zona rural e outras não têm condições de sair de casa por causa da dificuldade do horário e dos afazeres doméstico, além da idade.
“A partir disso, fizemos um mapeamento dos quintais e criamos o projeto chamado Teatro vai aos Quintais com a peça ‘Corpos Negros que Tombam nas Periferias’, escrita pelo dramaturgo da companhia de teatro, Francisco Nascimento. Lembro que inicialmente pensamos em um quintal que coubesse 30 pessoas, mas o primeiro quintal que nós fizemos ele era tão grande que ele coube mais de 200 pessoas. Ficamos chocados com esse número de pessoas que foram nos assistir”, lembra com alegria.
O diretor diz que essa iniciativa de levar o teatro aos quintais das casas é muito importante em Pau-Brasil. “Foi justamente levar reflexões para essas pessoas por meio do teatro em espaços jamais pensado, no quintal de uma casa, é muito significante. Levamos questões muito sérias para serem dialogadas. Então tudo isso foi muito expressivo, não só para os atores, porém também para o envolvimento das comunidades”, conclui.
Além do idealizador e dos jovens, fazem parte da companhia: dramaturgo, Francisco Nascimento; designer gráfico, Francisco Benevides; coordenação pedagógica, Maria Rita Santos; orientadora, Luzia Costa.