“Jesus pregou na periferia do Império Romano”, aponta frei David Santos 6k3sg
Peregrinação por locais distantes do centro do poder levava a “boa nova” aos excluídos e evitava perseguições oficiais 1535j
Série do Visão do Corre narra o nascimento, vida e morte de um Jesus periférico. Nesta reportagem, a vida de um pregador de origem camponesa, marginalizado e, de certa forma, delinquente, pois desafiava o poder político romano e as noções religiosas tradicionais.
Jesus é cria da periferia. “Se a gente ler os evangelhos com atenção, a única vez que ele entrou numa cidade, foi Jerusalém, e para morrer”, lembra André Leonardo Chevitarese, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 61352c
“Jesus anda por lugares periféricos, é periférico, itinerante. Tem um dado interessante: sempre que ele vai na sinagoga, dá problema. Ele é expulso, mal interpretado. A única vez que vez que ele vai no palácio, é amarrado, para ser julgado pelo governador Pilatos”, diz o padre Júlio Lancellotti.
E, levantando ele os olhos para os seus discípulos, dizia: bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus – Lucas, 6:20
Nas cidades viviam os proprietários de terra, os soldados e os governantes, que cobravam altos impostos. Nos centros do poder, Jesus estaria exposto. Andar por territórios periféricos como aldeias e vilas foi uma opção estratégica.
Frei David dos Santos, franciscano, fundador da rede de cursinhos Educafro, diz que “semelhante à época de Jesus, muitos religiosos e sacerdotes estão mais preocupados com o status político e econômico do que, efetivamente, no trato do povo”.
Jesus, homem do povo das periferias 336p45
Chevitarese, que escreveu Jesus de Nazaré, uma Outra História, conta que havia um clima de opressão e revolta na época de Jesus. Frutas, legumes, grãos, peixes: de cada quatro, três eram retidos em impostos.
“É uma exploração violenta, tem uma revolta camponesa muito próxima ao contexto de Nazaré”, diz Chevitarese. De fato, a seis quilômetros, a cidade de Séforis foi invadida por camponeses liderados por Judas, o Galileu. Os revoltosos queimaram as dívidas com os donos de terra.
É mais fácil um camelo ar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus – Mateus, 19:23
Profetas como Jesus eram pessoas marginalizadas, “ninguém queria ser pastor, não tinha higiene, dormia ao relento, não podia seguir os rituais de pureza do judaísmo, eram meio andarilhos”, descreve o padre Júlio Lancellotti.
“Os profetas nunca estiveram no luxo, em situação superior ao do seu próprio povo, mas convivendo com ele”, diz o sheik Rodrigo Jalloul, da mesquita da Penha, em São Paulo – embora muçulmano, respeita Jesus e sua mensagem, fazendo trabalho social com pessoas de rua.
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“Há o famoso momento em que Jesus entra no templo e com uma vara enxota aqueles que tentam fazer vendas. Ele precisou agir com assertividade para impedir que negligenciassem a essência da igreja”, diz Frei David.
Líderes populares que desafiam o poder central são historicamente coibidos, como Jesus. Ele “se coloca criticamente no mundo” em uma “perspectiva de transformação da realidade”, diz Chevitarese.
O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres – Lucas, 4:18
Para o padre Júlio Lancellotti, Jesus contesta três pilares básicos da autoridade: Deus, que a a ser o “pai amoroso que está no meio de nós”; a noção de pátria, pois todos são chamados; e a família, unida por laços de afeto, não necessariamente biológicos. “Isso era inável para os poderosos”.
Por isso a condenação de Jesus foi severa. “Crucificados são párias, a cruz é para pobres, miseráveis. Guardadas as devidas proporções, o esquadrão da morte partia para cima desses caras, da classe baixa, o negro, a negra, o indígena, o nordestino pobre. Para esses é bala”, compara Chevitarese.
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O rabino Alexandre Leone diz que “a essência da mensagem dos profetas não nos leva às mansões metafísicas do pensamento, mas aos cortiços de Jerusalém”. Trazendo para a atualidade, “a questão central é o órfão, a viúva, o imigrante, o favelado, é a realização do humano enquanto veículo da ação do divino”.
A ialorixá Roberta de Yemonjá, da Casa das Águas, em Sepetiba, extremo da zona oeste do Rio de Janeiro, vai na mesma linha. “Eu compreendo que Jesus foi e seja do povo que pega o trem, metrô, a mãe preta, favelada, o homem preto que tem medo de andar sem RG. Jesus lidera essa população, esse povo”, diz ela.
“No Brasil, uma situação semelhante é o trabalho de alimentar pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social, como as cozinhas solidárias, que refletem a mesma missão de oferecer dignidade e esperança aos mais excluídos”, compara pai Denisson D'Angiles, sacerdote de umbanda.
Para o pastor Leandro Rodrigues, “a mensagem central é a inversão dos valores terrenos: no reino de Deus, o que importa não é a riqueza, mas a solidariedade, a humildade e a busca por justiça social”.